11 de fevereiro de 2014

Forte de São Francisco

Forte de São Francisco - Século XIX
O Forte de São Francisco, também conhecido como Castelo do Mar, São Francisco da Barra, Forte da Barra, Forte da Laje e mais popularmente como Forte do Picão, foi construído sobre os arrecifes de pedras na entrada do Porto do Recife,  estrategicamente posicionado para defendê-lo.

Conforme já falamos aqui no blog, no final do século XVI e início do século XVII, buscou-se melhor defender os arrecifes pois estes abrigavam o porto, o ancoradouro natural por onde era escoada a produção de açúcar da Capitania de Pernambuco. Com este objetivo foram construídos os fortes de São Jorge, mais antigo e construído no istmo próximo à barra, e o de São Francisco construído nos arrecifes, à entrada da barra. Uma posição indiscutivelmente estratégica, guardando a entrada do porto.

Sua construção começou em 1612 e ficou sob a responsabilidade do Engenheiro-mor e dirigente das obras de fortificação do Brasil, Francisco de Frias da Mesquita (1603-1634), com projeto de Tibúrcio Espanhoch. De pequenas proporções, tinha forma eneagonal de lados irregulares variando de 5,94m a 6,60m com todos os seus ângulos salientes. Sua diagonal maior media 16,94m. Os parapeitos mediam 1,10m de espessura por 0,88m de altura. Suas dependências, no entanto, quartéis, depósito e mesmo o paiol eram muito escuros, abafados e úmidos. O contato direto com o mar, sua forma fechada, imprimiam tais condições. A ação do mar também se fazia sentir sobre as pedras, sobretudo as da base, e frequentemente exigia reparos.

Foi artilhado originalmente com seis peças de bronze. Deve ter sido terminado por volta de 1614, uma vez "que depois de haver acabado com grande louvor a Fortaleza da Laje do Recife, [Francisco da Mesquita] se ofereceu para acompanhar Jerônimo de Albuquerque [contra os franceses em São Luís]."

Já figurava no mapa abaixo feito por João Teixeira Albernaz I, identificado como "D - O forte novo da laje do porto".
'PRESPECTIVA. DO RESSIFE, E VILLA, DE OLINDA', João Texeira Albernaz I - 1616
Fonte: Livro que dá Razão do Estado do Brazil, c. 1616. Biblioteca Pública Municipal do Porto
Quando ocorreu a invasão holandesa em Pernambuco (1630-1654), empreendida pelas tropas da Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais (WIC) em Fevereiro de 1630, esta fortificação, chamada pelos invasores de "Castelo do Mar", juntamente com o Forte de São Jorge, chamado por eles de Castelo da Terra, fronteiro ao primeiro, abriram fogo contra os navios, impedindo a aproximação da esquadra, sendo praticamente as únicas a oferecer resistência. O Forte São Francisco capitulou em 20 de Fevereiro e o de São Jorge no dia 2 de Março.

Podemos vê-lo retratado também nas gravuras da época, abaixo.
"DIE STAT OLINDA DE PHERNAMBVCO" - Gravura retratando a invasão holandesa em 1630
1) Forte de São Francisco, abrindo fogo contra a armada holandesa; 2) Arrecifes; 3) Forte de São Jorge; 4) Povoado dos Arrecifes, núcleo urbano original do Recife, com os armazéns de açúcar em chamas, por ordem de Matias de Albuquerque, governador da província.
Estampa e folheto holandeses, do Maritiem Museum, Rotterdam. 1630
1) Forte de São Jorge; 2) Obras portuguesas iniciadas do futuro Forte do Brum; 3) Forte de São Francisco; 4) Povoado dos Arrecifes
Embora apresentamos apenas estas duas gravuras, o Forte de São Francisco figura de muitos outros mapas e representações da época, principalmente sob o nome "Castelo do Mar" (Water Casteel).

Uma vez ocupado pelos holandeses, o Forte de São Francisco passou a integrar o sistema de defesa holandês do Recife. Em 1636 o forte era descrito como sendo construído em pedras, elevado, de forma redonda, sem flancos. Contava à época com 7 peças de ferro, todas espanholas, sendo: 1 de 24 libras, 1 de 20 libras. 2 de l2 libras, 1 de 18 libras e 2 de10 libras. Seus disparos eram capazes de alcançar o Recife, o Castelo de São Jorge e o Forte do Brum.

Sobre esta estrutura, Maurício de Nassau, no "Breve Discurso" de 14 de Janeiro de 1638, sob o tópico "Fortificações", reporta:
"Defronte do Castelo de São Jorge, sobre o arrecife de pedra, no mar e na entrada da barra, fica um outro belo castelo de pedra, por nós denominado Castelo do mar. Este tem sido um tanto danificado pelo mar, que, batendo nele com toda a força e em todas as marés, tem arrancado na parte inferior algumas pedras. Tratamos com o mestre, que foi o seu primitivo construtor, para que, com o auxílio de pedreiros portugueses, tape o rombo e o segure contra o mar, o que é indispensável para prevenir futuros danos."
De fato, a estrutura recebeu obras de recuperação em 1638, a cargo dos Engenheiros neerlandeses Vasser e Castell.

Outra referência segura é o "Relatório sobre o estado das Capitanias conquistadas no Brasil", de autoria de Adriaen van der Dussen, datado de 4 de Abril de 1640, que complementa:
"Em frente ao Castelo de Terra situa-se, do lado do mar, na entrada da barra, sobre o recife de pedra, o Castelo do Mar, construído com pedras, elevado, sem flancos; é de forma arredondada, octogonal. Ali há 7 peças de bronze, todas espanholas, a saber: 1 de 24 libras, 1 de 20 lb, 2 de 12 lb, 1 de 18 lb e 2 de 10 [lb]; domina a barra e todo o porto e o istmo que lhe fica em frente, podendo alcançar com seus tiros o Recife, o Castelo de São Jorge, o Forte do Brum e o reduto."
O francês MOREAU (1979) faz o seguinte relato acerca do período entre 1646-1648:
"O Recife está construido (...) numa das orlas desta passagem [abertura no costão do recife de pedra], da largura de cem passos e sobre a própria rocha, do lado meridional. Há um forte de pedra, redondo, de cem passos de círculo, que o mar banha de todos os lados, munido de vinte grandes peças de ferro fundido e de uma guarnição ordinária de cinquenta homens, e do qual os navios que chegam devem dar-se conta para não se aproximar muito; ancoram a meia légua dele e depois vêm dar-se a conhecer nos escaleres com as cartas trazidas para Recife; isto feito, envia-se uma deputação a estes navios a fim de examiná-los, antes de conceder-lhes entrada no porto. (...)"
O Forte São Francisco foi evacuado pelas forças neerlandeses quando da Capitulação do Campo do Taborda em 1654, passando a ser chamado de Forte da Barra, e também pelo nome popular de Forte do Picão, referência às pedras submersas que ficavam ali perto.

Após várias pesquisas, não encontrei referências ao forte entre a segunda metade do século XVII e século XVIII, exceto em mapas como este abaixo:
Planta genográfica da Villa de S. Antonio do Recife de Pernambuco - 1763
Forte do Mar identificado pelo número "3"
Em 1808 o governador e Capitão-general da Capitania de Pernambuco, Caetano Pinto de Miranda Montenegro (1804-1817), mandou reconstruir o Forte do Mar, com projeto do engenheiro Antônio Bernardino Pereira do Lago (abaixo), e em 1809 foi artilhado com seis canhões de calibre 24 e guarnecido com um pequeno destacamento do Regimento de Artilharia.


Plantas do Forte de São Francisco ou Forte do Mar de - Projeto de reconstrução - 1808
Fonte: Departamento de Engenharia e Construção do Exército Brasileiro
Durante a Confederação do Equador (1824), as forças republicanas confederadas dominaram o Forte do Picão, assim como o do Brum e o do Buraco, até serem derrotadas pelas forças do Comandante Imperial, Gen. Francisco de Lima e Silva.

Em 1833, por ordem do Governo ao Inspetor do Arsenal de Marinha, vários canhões de ferro dos antigos fortes, dentre eles o de São Francisco, foram colocados nos arrecifes para amarração de navios.
Peça de artilharia usada para amarração de embarcações
Em 1835, já em estado de abandono, foi dada a ordem para desarmar o forte, mas apenas em 1839, as quatro peças calibre 6 que ainda permaneciam na fortificação foram recolhidas ao Arsenal de Guerra.

A fotografia abaixo, a mais antiga do Recife, tirada à partir do farol, vê-se o Forte em primeiro plano com o porto, navios ancorados e o casario do Bairro do Recife ao fundo.

Primeira fotografia conhecida do Recife - Charles de Forest Fredericks - 1851
Nesta outra fotografia, tirada à da mesma posição, mas alguns anos mais tarde.

Forte do Picão - Marc Ferrez - 1875
Forte do Picão à direita e o Farol à esquerda
Cartão postal datado de 1903
Posteriormente, em 1905, as antigas instalações do Forte do Picão foram cedidas ao Ministério da Fazenda para servir de posto fiscal aduaneiro.
Forte do Picão - Gravura de 1905
Fonte: Acervo Fundaj
Abandonado, anos mais tarde já se encontrava em ruínas.


Ruínas do Forte do Picão - Início do século XX
Na década de 1910 o forte foi destruído por completo para dar lugar à passagem da larga muralha que se construía sobre os arrecifes, como uma das obras complementares da grande reforma do Porto do Recife. Suas ruínas foram cobertas pelo enrocamento do quebra-mar Sul. Entretanto, os vestígios de sua base são bem visíveis sobre a linha de arrecifes.

Como última curiosidade, o Forte do Picão é um dos elementos que compõe o brasão da Cidade do Recife.

Fontes:
  • Revista trimensal do Instituto Histórico, Geográphico e Estnográphico do Brazil, Volume 25, 1883, Memória sobre o Forte do Mar em Pernambuco, Antônio Bernadino Pereira do Lago
  • Fortes de Pernambuco, imagens do passado e do presente, Albuquerque, Matos e Lucena, Veleda
  • Fundação Joaquim Nabuco

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