Rua da Cruz (atual Bom Jesus) e o Arco do Bom Jesus Litografia a mão de W. Bassler - 1848 |
No governo do conde João Maurício de Nassau, as fronteiras do Brasil Holandês foram consolidadas mas o governador não se descuidou da segurança do Recife e, para isso, determinou a construção de uma estacada envolvendo toda área do perímetro urbano da península do Recife, onde se encontrava a sede do governo de então. Para isso contratou os serviços do empreiteiro René de Mochy que cobrou a importância de 1.200 florins.
Como esta estacada de madeira não teria grande duração, propôs o conde, em 10 de setembro de 1642, a construção de uma muralha em pedra envolvendo todo perímetro urbano, em substituição à de madeira; pois no Recife "está o armazém geral dos víveres e de munição de guerra". O ingresso no Recife de então, ficou sendo feito através de três portas, a saber: a Lantpoort (Porta de Terra), a Pontpoort (Porta da Balsa), e a Waterpoort (Porta da Água ou Porta do Mar).
A primeira ficava na extremidade norte da estacada, no caminho de Olinda pelo istmo, local da chamada “guarda do bode”, no início da antiga Rua do Bode (Bockestraet) que durante do domínio holandês, tornou-se a via predileta dos israelitas, passando a ser chamada Rua dos Judeus.
A segunda no porto da balsa que ligava o Recife à Cidade Maurícia (ver mais detalhes em outro post) e a terceira (Waterpoort), a chamada Porta do Mar, encontrava-se voltada para o ancoradouro, situado aproximadamente no atual Marco Zero.
Conforme notamos na montagem acima composto por um mapa datado de 1660, já é possível ver a muralha bem delineada envolvendo o perímetro da Vila do Recife. A Porta da Terra está identificada pelo número 2, com seus dois baluartes a leste e a oeste (ver adiante os achados arqueológicos do alicerce da muralha e do baluarte leste), a Porta da Balsa identificada pelo número 17 e a Porta do Mar com o número 14. Neste post vamos nos ater à primeira.
Como já mencionado, a Porta de Terra se situava no extremo norte da povoação, fechando o acesso ao istmo que a ligava à Olinda. Informa José Antônio Gonsalves de Mello que a porta era fechada à noite com chave, sendo conhecidos alguns de seus porteiros: Henrick Wolson (falecido em 1638) e Johannes Kunst, a quem se permitiu, em 1641, ficar com a metade das gorjetas que os retardatários pagavam para lhes abrir a porta. De um lado e de outro do Arco, na parte de dentro do Recife, haviam alojamentos para soldados. Sobre o Arco foi construída uma "casa que servia de assistência aos Capitães da Guarda". A Porta estava dotada por baterias de artilharia, quer do lado do mar, quer do rio, sendo chamada pelos portugueses de Porta do Recife.
Foi nesta Porta que Antônio Fernandes Vieira recebeu as chaves da cidade, das mãos do comandante das tropas holandesas, após a rendição dos batavos em 1654.
A imagem acima é uma planta cartográfica do Recife e tem a autoria de Andréas Drewisch, datada de julho de 1631. É a primeira planta que apresenta o Baluarte leste da Porta da Terra como é descrito na obra de Barlaeus, e evidenciado nos trabalhos arqueológicos citados mais adiante.
Em cerca de 1660, sob a invocação do Bom Jesus, padroeiro dos dois redutos na defesa do território quando da invasão holandesa, foi constituída na Igreja do Corpo Santo uma nova irmandade denominada Irmandade do Senhor Bom Jesus das Portas. Esta nova irmandade obteve do governador André Vidal de Negreiros (1657-1661) o uso da Porta de Terra, localizada no início da Rua dos Judeus, com o fim de "construir sobre a mesma uma capela para o seu padroeiro”. Desde então a Porta da Terra veio a ser chamada de Arco ou Porta do Bom Jesus. Foi neste período também que a Rua dos Judeus mudou de nome para Rua da Cruz.
A irmandade ampliou as construções existentes no Arco do Bom Jesus instalando a sacristia na parte térrea e sobre a mesma um salão, para o consistório, bem como o corpo da igreja; sendo encarregado dos serviços o famoso mestre-pedreiro Antônio Fernandes de Matos, inclusive da douração dos altares, tendo atuado naquele monumento até o ano de 1700. Em termo lavrado no Livro de Receita e Despesa (1679-1686), datado de 20 de abril de 1682,
Vista do Recife com a estacada de madeira envolvendo o perímetro urbano - 1664 Autor: João de Laet |
A primeira ficava na extremidade norte da estacada, no caminho de Olinda pelo istmo, local da chamada “guarda do bode”, no início da antiga Rua do Bode (Bockestraet) que durante do domínio holandês, tornou-se a via predileta dos israelitas, passando a ser chamada Rua dos Judeus.
A segunda no porto da balsa que ligava o Recife à Cidade Maurícia (ver mais detalhes em outro post) e a terceira (Waterpoort), a chamada Porta do Mar, encontrava-se voltada para o ancoradouro, situado aproximadamente no atual Marco Zero.
Conforme notamos na montagem acima composto por um mapa datado de 1660, já é possível ver a muralha bem delineada envolvendo o perímetro da Vila do Recife. A Porta da Terra está identificada pelo número 2, com seus dois baluartes a leste e a oeste (ver adiante os achados arqueológicos do alicerce da muralha e do baluarte leste), a Porta da Balsa identificada pelo número 17 e a Porta do Mar com o número 14. Neste post vamos nos ater à primeira.
Como já mencionado, a Porta de Terra se situava no extremo norte da povoação, fechando o acesso ao istmo que a ligava à Olinda. Informa José Antônio Gonsalves de Mello que a porta era fechada à noite com chave, sendo conhecidos alguns de seus porteiros: Henrick Wolson (falecido em 1638) e Johannes Kunst, a quem se permitiu, em 1641, ficar com a metade das gorjetas que os retardatários pagavam para lhes abrir a porta. De um lado e de outro do Arco, na parte de dentro do Recife, haviam alojamentos para soldados. Sobre o Arco foi construída uma "casa que servia de assistência aos Capitães da Guarda". A Porta estava dotada por baterias de artilharia, quer do lado do mar, quer do rio, sendo chamada pelos portugueses de Porta do Recife.
Foi nesta Porta que Antônio Fernandes Vieira recebeu as chaves da cidade, das mãos do comandante das tropas holandesas, após a rendição dos batavos em 1654.
"Concluída a entrega das armas pelos vencidos, Vieira atravessou com os seus soldados a zona situada entre a Fortaleza e o recinto fortificado da cidade Maurícia e, transpondo a porta da cidade, marchou para o bairro do Recife, até a rua do Bom Jesus. Ao mesmo tempo fez ocupar no mesmo bairro as ruas, estacadas, plataformas e baterias que os holandeses iam entregando, após o que marcharam em direção ao arco, depois chamado do Bom Jesus, onde foram encostando as armas. Junto ao a rco recebeu Vieira da mão dos holandeses as chaves de todos os armazéns de armas, munições e abastecimentos que o inimigo tinha; eram essas chaves em número de 73, segundo menciona Diogo Lopes Santiago" (MELLO: 1954)
Grondt teyckoningh van het Eylandt Antoni Vaaz het Recif - Andreas Drewisch - in julio A.o 1631 |
Em cerca de 1660, sob a invocação do Bom Jesus, padroeiro dos dois redutos na defesa do território quando da invasão holandesa, foi constituída na Igreja do Corpo Santo uma nova irmandade denominada Irmandade do Senhor Bom Jesus das Portas. Esta nova irmandade obteve do governador André Vidal de Negreiros (1657-1661) o uso da Porta de Terra, localizada no início da Rua dos Judeus, com o fim de "construir sobre a mesma uma capela para o seu padroeiro”. Desde então a Porta da Terra veio a ser chamada de Arco ou Porta do Bom Jesus. Foi neste período também que a Rua dos Judeus mudou de nome para Rua da Cruz.
A irmandade ampliou as construções existentes no Arco do Bom Jesus instalando a sacristia na parte térrea e sobre a mesma um salão, para o consistório, bem como o corpo da igreja; sendo encarregado dos serviços o famoso mestre-pedreiro Antônio Fernandes de Matos, inclusive da douração dos altares, tendo atuado naquele monumento até o ano de 1700. Em termo lavrado no Livro de Receita e Despesa (1679-1686), datado de 20 de abril de 1682,
“por acordo que fizeram os irmãos se passou a imagem do Senhor Bom Jesus, da matriz para o Capela no alto das portas deste Recife, por concessão que fez o Governador André Vidal de Negreiros […]”No Arco do Bom Jesus estava localizado também o forte da mesma invocação [Bom Jesus]. Em seus baluartes haviam seis canhões assestados para o mar e plataforma para o rio, de modo a proteger o núcleo da vila de possíveis ataques, como descreve o cirurgião Manuel dos Santos, em Calamidades de Pernambuco:
“Tem mais duas plataformas, junto donde chamam as portas do Bom Jesus por uma capela da mesma invocação fabricada sobre as mesmas portas ou arcos, uma para a parte do rio e outra para a do mar, ambas capazes de artilharia; mas somente na da parte do mar [leste] estavam e estiveram quatro peças de ferro grossas…”
Porta e Fortim do Bom Jesus - 1749 Planta Genográfica da Villa de S. Antonio do Recife de Pernambuco |
O forte do Bom Jesus é retratado pelo pintor José de Oliveira Barbosa, em aquarela datada de 1788, existente no Arquivo Militar do Rio de Janeiro, executada ao tempo do governo de D. Tomás José de Mello, sob o título: “Vista planisbeltica, vertical e marítima, do areal do S.B.J. [Senhor Bom Jesus] do Recife Pernco. etc…”, divulgada por Robert C. Smith (ver abaixo):
Vista planisbeltica, vertical e marítima, do areal do S.B.J. [Senhor Bom Jesus] do Recife Baluarte Porta da Terra / Forte Bom Jesus - 1788 |
“O corpo central contém o arco com o santuário da capela do Senhor Bom Jesus das Portas, encimado por uma cruz, destacando-se sobre o mesmo. À direita fica a moradia térrea do sacristão, e além desta a área murada da velha “plataforma” do forte que podia defender de qualquer aproximação pelo rio. Do outro lado da arcada central, pode ser vista a porção incorporada pelo forte e incluída no seu bastião do mar. A fachada da capela, que defrontava a antiga Rua da Cruz [atual Bom Jesus] do outro lado do arco, consistia numa arcada envidraçada, sobre o arco, encimada por um frontispício adornado por ornamentação de argamassa, volutas e formas estilizadas de flores, características do barroco pernambucano [...]” (Robert C. Smith)
A descrição de Robert Smith do frontispício da Porta do Bom Jesus é feita com base na iconografia do século XIX, quando foi o monumento retratado por Maria Graham (1821), Augustus Earle (1821) e, sobretudo, pelo artista anônimo responsável pelo desenho que serviu de base à cromolitografia de W. Bassler (gravura no início do post).
Porta do Bom Jesus - Maria Graham - 1821 |
Finalmente em 1850, em decorrência da solicitação da Marinha e dos novos ditames urbanísticos, uma vez que a cidade se expandira para o mar e para o rio, e também porque os sucessivos aterros já se estendiam muito além das antigas paliçadas e portas, seria promulgada a Lei provincial de número 252 autorizando a demolição do Arco do Bom Jesus. No dia 10 de maio de 1850 as imagens e alfaias da capela foram transferidas para a igreja da Madre de Deus.
Deste modo o conjunto arquitetônico composto de um fortim, uma porta, uma capela e um dique, foi demolido e soterrado no mesmo ano de 1850. Para "consolo", no dia 31 de agosto de 1866, na fachada do antigo edifício dos Correios (também já demolido), solenemente se assentaria uma placa de mármore com os seguintes dizeres:
“Lápide comemorativa do arco que foi antiga porta da cidade e da capela do Senhor Bom Jesus das Portas levantada sobre o mesmo arco. À frente desta lápide, e ocupando toda a largura da rua, estavam os sobreditos monumentos demolidos em 1850. O Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano a mandou colocar em 1866.”
Estaleiro do Arsenal da Marinha construído após a demolição da capela e forte do Bom Jesus Fotografia de João Ferreira Vilela - 1865 |
A este respeito, e também e também aplicáveis aos demais arcos e portas, muitos urbanistas defenderam a ideia da construção de "giradores" contornando tais monumentos de forma a preservá-los e, ao mesmo tempo, possibilitando o fluxo de veículos.
Em 1870, por sugestão do Instituto Arqueológico Pernambucano, denominação de Rua da Cruz foi mudada para Rua do Bom Jesus, em memória da Capela do Senhor Bom Jesus das Portas demolida anos antes.
Em 2001, uma parte das muralhas construídas pelos holandeses foi encontrada durante implantação do programa Luz e Tecnologia, que tinha como objetivo embutir a fiação da rede de iluminação pública e privada, para retirar postes e reduzir a poluição visual no bairro. Após o trabalho arqueológico conduzido pela UFPE foi criado o Museu a Céu Aberto, localizado entre a Avenida Alfredo Lisboa e a Rua Barão Rodrigues Mendes, ao lado da Rua do Bom Jesus, com a exposição das ruínas da muralha, especificamente no trecho do baluarte leste da Porta da Terra.
Ruínas da muralha e do baluarte expostas |
- Fundação Joaquim Nabuco
- Prefeitura da Cidade do Recife - URB
- Artigos de mestrandos da UFPE
Ótima postagem. Parabéns.
ResponderExcluirAdmirável trabalho de pesquisa e resgate.
ResponderExcluirSeu blog foi um feliz achado, estou trabalhando atualmente em um projeto com objetivo de conectar histórias de nossa cidade às pessoas por meio de um aplicativo geolocalizado. Adoraríamos entrar em contato com você para sabermos mais.
Caso tenha disponibilidade, pode entrar em contato por mapademisterios@gmail.com
Obrigado! Aguardaremos ansiosos.
q blog maravilhoso!
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